As Coisas Caem Quando Suspensas

setembro 11, 2011 § Deixe um comentário

Sou um caucasiano urbano no sentido sano, caucasiano metropolitano da zona rural.

Já falei muitas vezes do mato. Do mato e do rural, dos lugares reais do mundo. Falei das coisas que não mudam, que permanecem, que são alheias ao tempo-espaço-matéria-vida. Que estão acima, transcendem nossa capacidade de qualquer coisa. Claro que pode ser que não. Mas eu acho que sim.

A vida dos Postes

Na antiga Rua 32, a décima segunda a ser fundada no bairro, havia uma concentração estranha de postes. As noites de lá, pareciam dias, e os dias eram um pouco mais escuros. Todos os moradores estranhavam, porém, nenhum deles chegou sequer perto de suspeitar do que realmente acontecia.

Êxodo elétrico. Todos os postes, cansados da vida iluminada, se enfileiravam na rua 32 para descansar em paz, pelo menos por duas semanas, pra depois voltarem para a rotina.

Sim, os postes se mexem. E eles vão pra qualquer lugar. Essa movimentação se dá quando ninguém vê, ninguém filma, ninguém ouve, nem nada. Isto se sabe por sensibilidade elétrica pelos postes. Você acha que aguentaria ficar plantado num mesmo lugar, iluminando as mesmas pessoas, casas e carros, durante a vida toda? Se você disse sim, os postes dizem não, então eles se dão o trabalho de permanecerem em constante movimento.

O problema da aglomeração de postes da rua 32 se deu pelo aumento de bairros que a cidade andava sofrendo. Nada era do mesmo modo. Os novos postes se cansavam muito rápido e, assim que pudiam, saíam da rota e se punham na fila para os dias de folga. Os novos postes não tinham sido bem desenhados e energizados. Culpa do governo.

O que acontecia então, era que a rua 32 ficava altamente iluminada e com um número excessivo de postes.  Esse número, logicamente, era muito maior do que o número de postes que descansavam, o que fazia com que aquela pilha de postes do lado do mercadinho do Cesar, num terreno baldio, aumentasse lentamente e não conseguisse fluir com plenitude. Iam-se, então, cada dia mais, juntando postes de todos os tipos e nacionalidades.

Jorge apagou.

– Ih! Lá vai ele de novo, é a quinta vez esse ano! – disse Péricles.

– Pô, Péricles, não é bem assim. O coitado trabalha demais! – respondeu em defesa Fabrício.

Péricles desacreditou na defesa do velho Fabrício. Jorge era um dos novos, um dos que não aguentavam nada. E isso não era culpa dos velhos que, realmente, precisavam descansar.

– Isso é frescura demais, Fabrício! Esses caras descansam mais que eu, que sou muito mais velho. Precisamos regulamentar esse negócio todo aqui, essa garotada precisa se acostumar com o trabalho e ter um pouco mais de vergonha na cara.

– Ah, você sabe que não é bem assim. Eles não pediram pra nascer e, ainda, não pediram pra ter defeito.

– Mas eu não tenho nada a ver com isso! Tá na hora disso mudar.

– Todo ano é a mesma história?! Vai ficar com esse discurso de Reforma Elétrica eternamente? Por que você não muda?

– Ué,  mas… mas… o que eu posso mudar? O que eu faço?!

– Não sei, você que descubra! Se quer tanto a mudança, começa a procurar postes que concordam com você, comecem a se unir nessa causa.

Péricles vibrou.

– Eu já te disse antes. Eu não quero ser líder político.

– Então não reclama, porque ninguém quer ser.

Carlos apagou.

Péricles vibrou de novo.

– Lá vai outro! Descansar como se fosse Páscoa!

– Páscoa? Do que você tá falando?

– Sei lá, eu li num cartaz outro dia…

– Conseguiu aprender a ler?!

– Consegui. É só energizar num raio que não atinja outro poste, receber as vibrações contrárias e contar a frequência.

– É, eu sei a teoria, mas na prática não vai.

O tempo passa, a noite cai e surge o dia. Os postes apagam, mas continuam funcionando. A conversa é interrompida pela falta de meios de expressão. Péricles pensa sobre se tornar líder político, mas não é a vida que ele quer. Ele quer é se refugiar no Novo México, ou se perder em um deserto, ele quer é não precisar de fios, ser livre e morrer com isso, porque a vida é um pouco chata demais para um poste, e um pouco sofrida demais nesses últimos tempos.

Fabrício vive contente, acha que a vida é aquilo mesmo e, enquanto estiver vivo, vai continuar vivendo. Não irá procurar a morte como sabe que fará Péricles. Tem seus momentos de prazer quando crianças do bairro atiram pedras nele, ou quando a lâmpada queima. Sabe que aquilo é o suficiente e é até demais. A vida de um poste é uma dádiva.

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