Na Casa nº525

setembro 12, 2011 § Deixe um comentário

Ele gostava de usar chapéu. Mas não só gostava, como tinha uma utilidade para aquele uso. Usava chapéu porque seus cabelos caíam. Então, toda noite, depois de longas manhãs e tardes de trabalho e caminhada, ele se deitava na cama com a barriga pra cima, escorregava o corpo até ficar sem encosto na cabeça e, depois que ela ficasse de ponta cabeça, ele tirava o chapéu com todos os cabelos caídos dentro.

Depois era só tirar e lavar o chapéu e a cabeça. Tinha três chapéus: enquanto um secava, outro estava quase secando e um estava em sua cabeça.

Pra lavar a cabeça, aproveitava o banho quente. Seu banho demorava cerca de trinta minutos. Ele gostava de ficar um bom tempo de pé, só, sem fazer nada, debaixo da água. Terminado o banho, saía molhado do box e ficava na frente do espelho se olhando até sentir frio. Estava ficando careca.

Pegava a toalha e se enxugava. Então se vestia e abria a porta que, apesar de morar sozinho, sempre estava trancada.

Um dia ele me disse “Amigo, estou cansado. Acho que minha cabeça responde à minha vida e minhas mechas se perdem como eu perco os dias. Não se assuste se eu morrer de repente. Não vou me matar, mas a culpa é minha. Sempre tive essa impressão da morte…”

Eu não me lembro o que respondi naquele dia, mas era algo como “Você soa patético quando tenta ser sério junto com a humanidade”, o que ele respondeu com “Você não entende”. Lembro que não me aguentei de tanta raiva e dei um soco no peito dele e ele caiu, fraco. Eu o levantei, e dei outro soco, e o levantei de novo. Ele começou a chorar e perguntou o que eu estava fazendo, o que eu queria dele.

Eu não iria dizer nada e dar outro soco, mas achei melhor falar, e respondi que queria que ele morresse sem ter culpa. Ele começou a chorar. Eu comecei a rir.

– Do que você tá chorando?!

Ele ficou quieto e envergonhado, e falou com uma voz que quase não saiu: “não sei”. Eu ria ainda mais e ele ficou com o rosto avermelhado.

Ele me perguntou se eu estava testando ele, se aquilo era um jogo, ou se tinha alguma moral por trás daquilo.

Eu disse: “Não”, mas ele fez que não entendeu, então eu completei “Eu sou apenas um idiota batendo em um saco de batatas”. Ele riu até ficar sem ar e, quando se recuperou, disse que preferia jiló.

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